domingo, 10 de dezembro de 2017
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
São Martinho de Dume (Braga)
Oriundo da Panônia, atual Hungria, dirigiu-se ainda jovem para o Oriente, onde professou vida regular: estudou o grego e outras ciências eclesiásticas em que muito cedo se distinguiu, até ser classificado, pelo eminente Doutor Santo Isidoro, como ilustre na fé e na ciência. Também Gregório de Tours o considerou entre os homens insuperáveis do seu tempo. Regressando do Oriente, dirigiu-se depois a Roma e França, onde travou conhecimento com as personagens por então mais insignes em saber e santidade. Sobretudo, quis visitar o túmulo do seu homônimo e compatriota, S. Martinho de Tours, que desde então ficará considerando como seu patrono e modelo. Foi também por essa altura que Martinho se encontrou com o rei dos Suevos, Charrarico, ao qual acompanhou para o noroeste da Península Ibérica, em 550, onde, com restos do gentilismo e bastante ignorância religiosa, se espalhara o Arianismo.
Para acorrer a tantos males, não tardou Martinho em planejar e colocar em andamento seu vigoroso apostolado. Num mosteiro, edificado pelo mesmo rei, em Dume, ao lado de Braga, assenta o grande apóstolo dos suevos suas instalações como escola de monaquismo e base de irradiação catequética e missionária. A igreja do mosteiro é dedicada a S. Martinho de Tours, e foi sagrada em 558. O seu abade foi elevado ao episcopado pelo Bispo de Braga já em 556, em atenção ao seu exímio saber e extraordinário zelo e santidade. Com a subida ao trono do rei Teodomiro (em 559), consumava-se o regresso dos Suevos ao Catolicismo, deixando o Arianismo. Ilustre por tão preclaras prerrogativas, passa Martinho para a Sé de Braga, em 569, quando o Catolicismo nesta região gozava já de alto esplendor, o que tornou possível o 1° Concílio de Braga, em 561, no pontificado de João III. Em 572, foi Martinho a alma do 2° Concílio de Braga. Nesta altura escreveu ele: “Com a ajuda da graça de Deus, nenhuma dúvida há sobre a unidade e retidão da fé nesta província”.
S. Martinho de Dume não esqueceu da importância e eficácia do apostolado da pena. Deixou assim várias obras sobre as virtudes monásticas, bem como matérias teológicas e canônicas, pelas quais foi depois reputado e celebrado como Doutor. Faleceu a 20 de março de 579 e foi sepultado na catedral de Dume; mas desde 1606 estão depositadas as suas relíquias na Sé de Braga. Compusera para si, em latim, o seguinte epitáfio sepulcral, em que mostra a veneração que dedicava ao santo Bispo de Tours: “Nascido na Panônia, atravessando vastos mares, impelido por sinais divinos para o seio da Galiza, sagrado Bispo nesta tua igreja, ó Martinho confessor, nela instituí o culto e a celebração da Missa. Tendo-te seguido, ó Patrono, eu, o teu servo Martinho, igual em nome que não em mérito, repouso agora aqui na paz de Cristo”.
Deus, inspirador dos pastores da Igreja e luz de todos os povos, que chamastes o santo bispo Martinho para ensinar ao vosso povo os mistérios do reino, concedei-nos que, animados pelo seu exemplo e iluminados pela sua doutrina, cheguemos ao esplendor eterno da vossa glória. Por Nosso Senhor. Amém.
São Martinho de Dume, rogai por nós!
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Cristo manifesta-Se com as suas chagas após a ressurreição
Se é pueril acreditar ao acaso e sem motivo, também é muito insensato querer examinar e inquirir tudo demasiadamente. E esta foi a sem-razão de Tomé. Perante a afirmação dos Apóstolos: Vimos o Senhor, recusa-se a acreditar: não porque descresse deles, mas porque julgava impossível o que afirmavam, isto é, a ressurreição de entre os mortos. Não disse: «Duvido do vosso testemunho», mas: Se não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei. Jesus aparece segunda vez e não espera que Tomé O interrogue, ou Lhe fale como aos discípulos. O Mestre antecipa-se aos seus desejos, fazendo-lhe compreender que estava presente quando falou daquele modo aos companheiros. Na censura que lhe faz serve-Se das mesmas palavras e ensina como deverá proceder para o futuro. Depois de dizer: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; mete a tua mão no meu lado, acrescenta: Não sejas incrédulo, mas crente. Tomé duvidou por falta de fé. Ainda não tinham recebido o Espírito Santo. Mas isso não voltaria a acontecer; a partir de então manter-se-iam firmes na fé. Cristo, porém, não Se ficou nesta admoestação e insistiu novamente. Tendo o discípulo caído em si e exclamado: Meu Senhor e meu Deus, disse-lhe Jesus: Porque Me viste, acreditaste. Felizes os que, sem terem visto, acreditaram. É próprio da fé crer no que não se vê. A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das que não se vêem. Com efeito, o divino Mestre chama felizes, não só os discípulos, mas também todos aqueles que no decurso dos tempos acreditarão n’Ele. Dirás talvez: Mas na verdade, os discípulos viram e creram. É certo; no entanto, não precisaram de ver para acreditarem. Sem quaisquer exigências, bastou‑lhes ver o sudário para logo aceitarem o acto da ressurreição e acreditarem plenamente, antes mesmo de verem o corpo glorioso de Jesus. Portanto, se alguém disser: «Quem dera ter vivido no tempo de Jesus e contemplado os seus milagres», recorde as palavras: Felizes os que, sem terem visto, acreditaram. E aqui surge uma pergunta: Como pôde o corpo incorruptível conservar as cicatrizes dos cravos e ser tocado por mão mortal? Não é caso para espanto, pois se trata de pura condescendência da parte de Cristo. O seu corpo era tão puro, subtil e livre de qualquer matéria, que podia entrar numa casa com as portas fechadas. Quis, porém, manifestar-Se deste modo, para que acreditassem na ressurreição e soubessem que era Ele mesmo que fora crucificado, e não outro, quem tinha ressuscitado. Por este motivo conserva, na ressurreição, os estigmas da cruz, e come na presença dos Apóstolos, circunstância esta que eles especialmente recordariam: Nós que comemos e bebemos com Ele. Quer dizer: Antes da paixão, ao vermos Jesus caminhando sobre as ondas, não considerávamos o seu corpo de natureza diferente da nossa; também agora, ao vê-l’O com as cicatrizes, após a ressurreição, devemos crer na sua incorruptibilidade.
Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo sobre o Evangelho de São João (Hom. 87, 1: PG 59, 473-474) (Sec. IV)
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
Sereis minhas testemunhas
Quando as cruzes foram levantadas, foi coisa admirável ver a constância de todos, à qual eram exortados pelo Padre Passos e pelo Padre Rodrigues. O Padre comissário permaneceu sempre de pé, sem se mexer e com os olhos fixos no céu. O Irmão Martinho cantava salmos de ação de graças à bondade divina e juntava-lhes o versículo Nas tuas mãos, Senhor. Também o irmão Francisco Branco dava graças a Deus com voz clara. O irmão Gonçalo recitava em voz alta o «Pai Nosso» e a «Ave Maria».
O nosso Irmão Paulo Miki, vendo-se elevado diante de todos a uma tribuna como nunca tivera, começou por afirmar aos circunstantes que era japonês e pertencia à Companhia de Jesus, que ia morrer por haver anunciado o Evangelho, e que dava graças a Deus por lhe conceder tão elevado benefício. E por fim disse estas palavras: «Agora que cheguei a este ponto extremo da minha vida, nenhum de vós há de acreditar que eu queira esconder a verdade. Declaro-vos portanto que não há outro caminho para a salvação do que aquele que possuem os cristãos. E como este caminho me ensina a perdoar aos inimigos e a todos os que me ofenderam, eu livremente perdoo ao imperador e a todos os autores da minha morte e peço a todos que se batizem».
Então, voltando os olhos para os companheiros, começou a animá-los. Nos rostos de todos transparecia uma grande alegria, mas Luís era aquele em que isso se via de modo mais claro: quando outro cristão o animou gritando que em breve estaria com ele no paraíso, fez com as mãos e todo o corpo um gesto tão cheio de contentamento que os olhos de todos os presentes se fixaram nele.
António estava ao lado de Luís, com os olhos fitos no céu. Depois de invocar o Santíssimo Nome de Jesus e de Maria, entoou o salmo Louvai o Senhor, servos do Senhor, que tinha aprendido em Nagasaki no catecismo; é que no catecismo costumam ensinar alguns salmos às crianças.
Alguns repetiam com rosto sereno: «Jesus, Maria»; outros exortavam os presentes a levarem uma vida digna de cristãos; e por estas e outras ações semelhantes demonstravam que estavam prontos para a morte.
Então os quatro carrascos começaram a tirar as espadas daquelas bainhas que costumam usar os japoneses. Ao verem o seu aspecto terrível todos os fiéis gritaram «Jesus, Maria», e soltaram um grito de tristeza que chegou ao céu. E os carrascos, com dois golpes, em pouco tempo os mataram a todos.
Da História do martírio de São Paulo Miki e seus companheiros, escrita por um autor do tempo (Cap. 14, 109-110: Acta Sanctorum Fev. 1, 769) (Sec. XVI)
domingo, 5 de fevereiro de 2017
Dom que nos foi concedido por Deus, verdadeira fonte da bondade
A comemoração do aniversário de Santa Águeda nos reúne a todos neste lugar, como se fôssemos um só. Bem conheceis, meus ouvintes, o combate glorioso desta mártir, uma das mais antigas e ao mesmo tempo tão recente que parece estar agora mesmo lutando e vencendo, através dos divinos milagres com os quais diariamente é coroada e ornada.
A virgem Águeda nasceu do Verbo de Deus imortal e seu único Filho, que também padeceu a morte por nós. Com efeito, João, o teólogo, assim se exprime: A todos aqueles que o receberam, deu-lhes a capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12).
É uma virgem esta mulher que nos convidou para o sagrado banquete; é a mulher desposada com um único esposo, Cristo, para usar as mesmas expressões do apóstolo Paulo, ao falar da união conjugal. É uma virgem que pintava e enfeitava os olhos e os lábios com a luz da consciência e a cor do sangue do verdadeiro e divino Cordeiro; e que, pela meditação contínua, trazia sempre em seu íntimo a morte daquele que tanto amava. Deste modo, a mística veste de seu testemunho fala por si mesma a todas as gerações futuras, porque traz em si a marca indelével do sangue de Cristo e o tesouro inesgotável da sua eloquência virginal.
Ela é uma imagem autêntica da bondade, porque, sendo de Deus, vem da parte de seu Esposo nos tornar participantes daqueles bens, dos quais seu nome traz o valor e o significado: Águeda (que quer dizer “boa”) é um dom que nos foi concedido por Deus, verdadeira fonte de bondade.
Qual a causa suprema de toda a bondade, senão aquela que é o Sumo Bem? Por isso, quem encontrará algo mais que mereça, como Águeda, os nossos elogios e louvores?
Águeda, cuja bondade corresponde tão bem ao nome e à realidade! Águeda, que pelos feitos notáveis traz consigo um nome glorioso, e no próprio nome demonstra as ilustres ações que realizou! Águeda, que nos atrai com o nome, para que todos venham ao seu encontro, e com o exemplo nos ensina a corrermos sem demora para o verdadeiro bem, que é Deus somente!
Do Sermão na festa de Santa Águeda, de São Metódio da Sicília, bispo (Analecta Bollandiana, 68, 76-78) (Séc. IX)
sábado, 4 de fevereiro de 2017
Renunciou à vida do mundo
João de Brito, o benjamim da família, órfão de pai desde a mais tenra infância, foi educado na corte do sábio rei de Portugal D. João IV. No meio da alegria folgazã dos pajens seus companheiros, nunca deixou de refletir na sua vida a bondosa imagem de um novo Estanislau: a sua modéstia, a sua piedade, a espontânea defesa da sua pureza angélica, tornaram-se alvo frequente de mofas e de outros tratamentos ainda piores, os quais, suportados com paciência inquebrantável, lhe deram ocasião para que o apelidassem, como presságio do seu fim heróico, «o mártir».
Não se julgue que fosse insensível ao que lhe feria o amor próprio; mas era de índole tão bondosa mesmo para com aqueles que não apreciavam a sua virtude, que à irrisão e ofensas dos companheiros correspondia sempre com um sorriso benévolo e suma afabilidade.
João, que desde o nascimento fora santificado pelo dom da graça divina, e depois saboreou como o Senhor é bom, passa pelo mundo como um raio de luz através das sombras da selva escura, cresce como lírio entre os espinhos, eleva-se para o céu e floresce, esquecendo tudo quanto o rodeia; estimulado pelos favores de Deus, alimenta em si uma adolescência vigorosa que, à imitação do Apóstolo, quando Aquele que o tinha destinado desde o seio materno quis chamá-lo para pregar o seu Filho entre os gentios, decididamente não consultou a carne e o sangue, e subtraiu-se à ternura materna, ao afeto do rei e à tranquilidade da sua terra natal.
Olhai para o jovem missionário, para o heroísmo da sua ação, que se dilata no meio dos povos infiéis: ação esplêndida, ação destemida, ação fecunda. Seria necessário não ter ideal algum no coração para não sentir o entusiasmo que suscita a narração da sua vida tão ardente, para não experimentar, com um sentimento de santa inveja, o desejo de participar em tão árduas canseiras evangélicas e de alcançar os seus merecimentos na medida das próprias forças.
Neste herói da santidade, movido por uma atividade sem tréguas nem descanso, não tardaria a sentir-se consumada a vida laboriosa do missionário, se não tivesse sobrevindo tão subitamente o martírio a impedir-lhe o trabalho ardoroso da pregação da fé e moral evangélica, interrompendo o curso da sua vida e da obra começada.
Da Alocução de Pio XII, papa, no dia seguinte ao da canonização de João de Brito (AAS 39 [1947], 392-393.395-396) (Sec. XX)
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
Progredindo sempre para a plenitude de Cristo
Os que foram dignos de se tornarem filhos de Deus, de renascerem pelo Espírito Santo e receberem em si a Cristo que os ilumina e lhes dá uma vida nova, são conduzidos pelo Espírito de muitos e diversos modos e dirigidos pela graça em grande paz de espírito.
Umas vezes, imersos em grande tristeza e compaixão pelo gênero humano, rezam incessantemente por todos os homens com lágrimas e lamentações, em virtude do seu grande amor espiritual para com a humanidade. Outras vezes, são inflamados pelo Espírito com tão intensa alegria e amor, que, se fosse possível, levariam todos os homens no coração, sem qualquer distinção entre bons e maus.
Umas vezes, abatidos por um sentimento de profunda humildade, consideram-se como os mais abjetos e desprezíveis de todos os homens. Outras vezes, são reconfortados pela alegria inefável do Espírito.
Umas vezes, como herói destemido que, revestindo-se da armadura real e lançando-se ao combate, luta com valentia e vence os inimigos, assim o homem espiritual, tomando as armas celestes do Espírito, empreende a batalha contra os inimigos e os submete a seus pés. Outras vezes, a alma descansa em grande silêncio, tranquilidade e paz, saboreando interiormente as delícias e o sossego inefável do Espírito.
Umas vezes, recebe do Espírito graças especiais de inteligência, sabedoria e conhecimento inefáveis, superiores a tudo o que humanamente se pode dizer ou exprimir. Outras vezes, como qualquer homem, nada de especial experimenta.
Deste modo, a graça conduz a alma através de vários e diversos estados ou situações, exercitando-a de muitas maneiras e conformando-a com a vontade de Deus, com o fim de a tornar perfeita, irrepreensível e sem mancha diante do Pai celeste.
Oremos também nós ao Senhor, pedindo-Lhe com grande amor e confiança que nos conceda a graça celeste do dom do Espírito, para que o mesmo Espírito nos governe e conduza ao cumprimento perfeito da vontade divina e nos reanime na sua paz, de modo que, mediante a sua direção, exercitação e moção espiritual, mereçamos chegar à perfeita plenitude de Cristo, como diz o Apóstolo: Para que sejais cumulados de toda a plenitude de Cristo.
Das homilias de um autor espiritual do século IV (Hom. 18, 7-11: PG 34, 639-642)
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
Recebamos a luz clara e eterna
Todos nós que celebramos e veneramos com tanta piedade o mistério do Encontro do Senhor, corramos para Ele com todo o fervor do nosso espírito. Ninguém deixe de participar neste Encontro, ninguém se recuse a levar a sua luz.
Levemos em nossas mãos o brilho das velas, para significar o esplendor divino d’Aquele que Se aproxima e ilumina todas as coisas, dissipando as trevas do mal com a sua luz eterna, e também para manifestar o esplendor da alma, com o qual devemos correr ao encontro de Cristo.
Assim como a Virgem Mãe de Deus levou ao colo a luz verdadeira e a comunicou àqueles que jaziam nas trevas, assim também nós, iluminados pelo seu fulgor e trazendo na mão uma luz que brilha diante de todos, devemos acorrer pressurosos ao encontro d’Aquele que é a verdadeira luz.
Na verdade a luz veio ao mundo e, dispersando as trevas que o envolviam, encheu-o de esplendor; visitou-nos do alto o Sol nascente e derramou a sua luz sobre os que se encontravam nas trevas: este é o significado do mistério que hoje celebramos. Caminhemos empunhando as lâmpadas, acorramos trazendo as luzes, não só para indicar que a luz refulge já em nós, mas também para anunciar o esplendor maior que dela nos há de vir. Por isso, vamos todos juntos, corramos ao encontro de Deus.
Eis que veio a luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem a este mundo. Todos nós, portanto, irmãos, deixemo-nos iluminar, para que brilhe em nós esta luz verdadeira.
Nenhum fique excluído deste esplendor, nenhum persista em continuar imerso na noite, mas avancemos todos resplandecentes; iluminados por este fulgor, vamos todos juntos ao seu encontro e com o velho Simeão recebamos a luz clara e eterna; associemo-nos à sua alegria e cantemos com ele um hino de ação de graças ao Pai da luz, que enviou a luz verdadeira e, afastando todas as trevas, nos fez participantes do seu esplendor.
A salvação de Deus, com efeito, preparada diante de todos os povos, manifestou a glória que nos pertence a nós, que somos o novo Israel; e nós próprios, graças a Ele, vimos essa salvação e fomos absolvidos da antiga e tenebrosa culpa, tal como Simeão, depois de ver a Cristo, foi libertado dos laços da vida presente.
Também nós, abraçando pela fé a Cristo Jesus que vem de Belém, nos convertemos de pagãos em povo de Deus (Jesus é com efeito a Salvação de Deus Pai) e vemos com os nossos próprios olhos Deus feito carne; e porque vimos a presença de Deus e a recebemos, por assim dizer, nos braços do nosso espírito, nos chamamos novo Israel. Com esta festa celebramos cada ano de novo essa presença, que nunca esquecemos.
Dos Sermões de São Sofrónio, bispo (Orat. 3 de Hypapante, 6-7: PG 87, 3, 3291-3293) (Sec. VII)
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
São Cornélio, bispo de Cesareia
Encontramos, nos Atos dos Apóstolos, este exemplo de entrega. No capítulo 10, nós assim ouvimos da Palavra de Deus: “Havia em Cesareia um homem por nome Cornélio. Centurião da corte que se chamava Itálica, era religioso; ele e todos de sua casa eram tementes a Deus. Dava muitas esmolas ao povo e orava constantemente” (At 10,1-2).
Diante dessa espiritualidade que Cornélio possuía, Deus o visitou por meio de um anjo, que lhe indicou São Pedro. Este, que também teve uma visão, foi à casa de Cornélio. Foi aí que aconteceu a abertura da Igreja para a evangelização dos pagãos, dos estrangeiros. No outro dia, Pedro chegou em Cesareia. Cornélio o estava esperando, tendo convidado seus parentes e amigos mais íntimos. Não somente ele queria encontrar-se com o Senhor, como também queria o mesmo para todos os seus parentes e amigos.
Cornélio ouviu da boca do primeiro Papa da Igreja: “Deus me mostrou que nenhum homem deve ser considerado profano ou impuro” (At 10,28). Assim, São Pedro começou a evangelizar e, de repente, no versículo 44: “Estando Pedro, ainda a falar, o Espírito Santo desceu sobre todos que ouviam a (santa) Palavra. Os fiéis da circuncisão, que tinham vindo com Pedro, profundamente se admiraram vendo que o dom do Espírito Santo era derramado também sobre os pagãos; pois eles os ouviam falar em outras línguas e glorificar a Deus. Então Pedro tomou a palavra: ‘Porventura pode-se negar a água do batismo a estes que receberam o Espírito Santo como nós? E mandou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Rogaram-lhe então que ficasse com eles por alguns dias” (At 10,44-48).
São Cornélio tornou-se o primeiro bispo em Cesareia. Homem religioso e de oração, Deus pôde contar com ele para a maravilhosa obra que chega até nós nos dias de hoje. Pela docilidade de muitos, como São Cornélio, o Santo Evangelho se faz presente em nosso meio. Peçamos a intercessão de São Cornélio para que busquemos cada vez mais o Senhor.
Ó Deus misericordioso, São Cornélio lutou com todas as suas forças para preservar a unidade de tua Igreja e demonstrar que tu és Pai de ternura e de bondade, pronto a perdoar. Vem em meu auxílio quando grande for minha confusão interior e meu desconforto espiritual. Socorre-me em minhas fraquezas, ampara-me nos momentos de angústia e de provação. Amém.
São Cornélio, rogai por nós!
Nossa Senhora da Purificação (Candeias, Luz ou Candelária).
A origem da devoção à Senhora das Candeias, da Luz, ou da Candelária, ou da Purificação (todos estes nomes designam a mesma Nossa Senhora), tem o seu começo na festa da apresentação do Menino Jesus no Templo e da purificação de Nossa Senhora, quarenta dias após o seu nascimento. Portanto, sendo celebrada no dia 2 de Fevereiro.
De acordo com a tradição mosaica, as parturientes, após darem à luz, ficavam impuras, devendo inibir-se de visitar ao Templo até quarenta dias após o parto; nessa data, deviam apresentar-se diante do sumo-sacerdote, a fim de apresentar o seu sacrifício (um cordeiro e duas pombas ou duas rolas) e assim purificar-se.
Desta forma, José e Maria apresentaram-se diante de Simeão para cumprir o seu dever, e este, depois de lhes ter revelado maravilhas acerca do filho que ali lhe traziam, ter-lhes-ia dito: «Agora, Senhor, deixa partir o vosso servo em paz, conforme a Vossa Palavra. Pois os meus olhos viram a Vossa salvação que preparastes diante dos olhos das nações: Luz para aclarar os gentios, e glória de Israel, vosso povo» (Lucas, 2, 29-33).
Com base na festa da Apresentação de Jesus / Purificação da Virgem, nasceu a festa de Nossa Senhora da Purificação; do cântico de São Simeão (conhecido pelas suas primeiras palavras em latim: o Nunc dimittis), que promete que Jesus será a luz que irá aclarar os gentios, nasce o culto em torno de Nossa Senhora das Candeias, cujas festas eram geralmente celebradas com uma procissão de velas, a relembrar o fato.
A Virgem das Candeias ou Luz apareceu em uma praia na ilha de Tenerife (Ilhas Canárias, Espanha) em 1400. Os nativos guanches da ilha ficaram com medo dela e tentaram atacá-la, mas suas mãos ficaram paralisadas. A imagem foi guardada em uma caverna, onde, séculos mais tarde, foi construído o Templo e Basílica Real da Candelária (em Candelária). Mais tarde, a devoção se espalhou na América. É santa padroeira das Ilhas Canárias, sob o nome de Nossa Senhora da Candelária.
Nossa Senhora das Candeias era tradicionalmente invocada pelos cegos (como afirma o Padre António Vieira no seu Sermão do Nascimento da Mãe de Deus: «Perguntai aos cegos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora das Candeias [...]»), e tornou-se particularmente cultuada em Portugal a partir do início do século XV; segundo a tradição, deve-se a um português, Pedro Martins, muito devoto de Nossa Senhora, que descobriu uma imagem da Mãe de Deus por entre uma estranha luz, no sítio de Carnide, no termo de Lisboa. Aí se fundou de imediato um convento e igreja a ela dedicada, que conheceu grande incremento devido à ação protetora da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I e sua terceira esposa, D. Leonor de Áustria.
A partir daí, a devoção à Senhora das Candeias cresceu, e com a expansão do Império Português, também se dilatou pelas regiões colonizadas, com especial destaque para o Brasil, onde é a santa padroeira da cidade de Curitiba.
Local sagrado para muitos fiéis, este templo, criado no século XVIII, recebe uma grande quantidade de romeiros durante todo o ano. No mês de fevereiro, as visitas aumentam vertiginosamente; fato explicado pelas comemorações e homenagens à padroeira do município de Candeias. No local, há uma sala de ex-votos e uma belíssima fonte ornamental, onde as pessoas tocam as mãos, crendo no poder das águas. Trata-se da famosa Fonte Milagrosa de Nossa Senhora das Candeias, que fica aberta à visitação pública diariamente, das 6 às 18 horas. O monumento pode ser facilmente encontrado, pois fica na parte mais alta da cidade, em plena área urbana. Perto da fonte, ainda existe um comércio de artigos sacros, que incluem imagens, velas, miniaturas de santos, dentre outras peças.
Virgem Santíssima das Candeias, vós que pelos merecimentos de vosso Filho Onipotente, tudo alcançais em benefício dos pecadores de quem sois igualmente Senhora e Mãe. Vós que não desprezais as súplicas humanas e nem a elas fechais o vosso coração compassivo e misericordioso. Iluminai-me, eu vos peço, na estrada da vida, encorajai-me e encaminhai os meus passos e as minhas orações para o verdadeiro bem. Livrai-me de todos os perigos a que está exposta à minha fraqueza. Defendei-me de meus inimigos, como defendeste o vosso amado Filho das perseguições que sofreu sendo menino. Não consintais que eu seja atingido por ferro, fogo e nem por peste alguma, e depois de todos estes benefícios de vossa clemência nesta vida, conduzi a minha alma para a morada dos anjos, onde com Jesus Cristo, vosso Filho e Nosso Senhor, viveis e reinais, pelos séculos. Que assim seja.
O discernimento dos espíritos adquire-se pela sabedoria espiritual
A verdadeira sabedoria consiste em discernir sem erro o bem do mal; quando se adquire, então o caminho da justiça conduz a alma a Deus, sol da justiça, e a introduz no fulgor infinito da ciência, com uma luz que lhe permite avançar daí em diante com toda a confiança em busca da caridade.
É necessário que, no meio das nossas lutas, conservemos a nossa alma livre de perturbações internas, para que possa discernir os pensamentos que a assaltam, guardando no santuário da memória os que são bons e vêm de Deus, e rejeitando decididamente os que são maus e vêm do demônio.
Quando o mar está calmo, é tal a sua transparência que permite aos pescadores ver os peixes sob as águas; mas quando está agitado pelos ventos, as águas revoltas impedem aquela visibilidade e tornam-se inúteis todos os recursos de que se valem os pescadores.
Só o Espírito Santo pode purificar a nossa mente; se Ele não entra, como o mais forte do Evangelho, para vencer o ladrão, nunca a presa será libertada. É necessário, portanto, conservar permanentemente a paz da alma, que favorece a ação do Espírito Santo, e assim teremos sempre acesa em nós a luz da sabedoria; se ela brilha no nosso santuário interior, não só se põem a descoberto as influências nefastas e tenebrosas do demônio, mas também se enfraquece o seu poder, ao serem surpreendidas por aquela luz santa e gloriosa.
Por esta razão recomenda o Apóstolo: Não extingais o Espírito, isto é, não entristeçais o Espírito Santo com as vossas más obras e pensamentos, para que Ele não deixe de vos ajudar com o seu esplendor divino. Na realidade, não é possível extinguir o lume eterno e vivificante do Espírito Santo; mas é possível que, entristecendo-O, isto é, ocasionando o seu afastamento, fique a nossa alma privada da sua luz e mergulhada na escuridão.
O sentido da mente é o gosto perfeito do discernimento espiritual. Assim como pelo sentido corporal do gosto, quando gozamos de boa saúde, temos apetite do que é agradável, discernindo as coisas boas das nocivas sem perigo de errar, assim também o nosso espírito, quando começa a gozar de boa saúde e a libertar-se das preocupações inúteis, pode experimentar abundantemente a consolação divina e conservar a memória do seu sabor suave, para distinguir e desejar sempre os valores mais altos, mediante a virtude da caridade, como diz o Apóstolo: Na minha oração, eu peço que a vossa caridade vá sempre crescendo cada vez mais na verdadeira sabedoria e inteligência, para que possais discernir e escolher os bens superiores.
Dos Capítulos de Diádoco de Foticeia, bispo, sobre a perfeição espiritual (Cap. 6.26.28.30: PG 65, 1169.1175-1176) (Sec. V)
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Como Jesus, manso e humilde de coração
Antes de mais, se queremos ser amigos do verdadeiro bem dos nossos alunos e encaminhá-los para o cumprimento dos seus deveres, é necessário que nunca vos esqueçais de que sois representantes dos pais desta querida juventude, esta juventude que foi sempre o terno objeto das minhas preocupações, dos meus estudos, do meu ministério sacerdotal e da nossa Congregação Salesiana.
Quantas vezes, meus queridos filhos, na minha longa carreira, me tive de convencer desta grande verdade: é mais fácil encolerizar-se do que ter paciência, ameaçar uma criança do que persuadi-la; direi mesmo que é mais cômodo, para a nossa impaciência e para a nossa soberba, castigar os recalcitrantes do que corrigi-los, suportando-os com firmeza e benignidade.
A caridade que vos recomendo é aquela de que usava São Paulo com os recém-convertidos e que muitas vezes o fez chorar e suplicar quando os encontrava menos dóceis e menos dispostos a corresponder ao seu zelo.
Tende cuidado que ninguém possa julgar que procedeis movidos pelo ímpeto da emoção repentina. Dificilmente quem castiga é capaz de conservar aquela calma que é necessária para afastar qualquer dúvida de que agimos para demonstrar a nossa autoridade ou desafogar o nosso mau humor.
Olhemos como filhos nossos para aqueles sobre os quais exercemos alguma autoridade. Ponhamo-nos ao seu serviço como Jesus, que veio para obedecer e não para dar ordens, envergonhando-nos de tudo o que nos possa dar a aparência de dominadores; e se algum domínio exercemos sobre eles, há de ser apenas para os servir melhor.
Assim fazia Jesus com os seus Apóstolos, tolerando-os na sua ignorância e rudeza, e inclusivamente na sua pouca fidelidade; era tal a familiaridade e afeição com que tratava os pecadores que a alguns causava espanto, a outros escândalo, e em muitos infundia a esperança de receber o perdão de Deus; por isso nos ordenou que aprendêssemos d’Ele a ser mansos e humildes de coração.
Uma vez que são nossos filhos, afastemos toda a cólera quando devemos censurar as suas falhas, ou ao menos moderemo-la de tal modo que pareça totalmente dominada.
Nada de agitação de ânimo, nada de desprezo no olhar, nada de injúrias nos lábios; mas tenhamos compaixão no presente e esperança no futuro: então seremos verdadeiros pais e conseguiremos uma verdadeira correção.
Em certos momentos muito graves ajuda mais uma recomendação a Deus, um ato de humildade perante Ele, do que uma tempestade de palavras, que só fazem mal a quem as ouve e de nenhum proveito servem para quem as merece.
Das Cartas de São João Bosco, presbítero (Epistolario, Torino 1959. 4, 201-203) (Sec. XIX)
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
Primícias da ressurreição em Cristo
O Verbo de Deus se fez homem. O Filho de Deus tornou-se Filho do homem para que o homem, unido ao Verbo de Deus, recebesse a adoção e se tornasse filho de Deus.
Nunca poderíamos obter a incorrupção e a imortalidade a não ser unindo-nos à incorrupção e à imortalidade. Mas como poderíamos realizar esta união sem que antes a incorrupção e a imortalidade se tornassem aquilo que somos, a fim de que o corruptível fosse absorvido pela incorrupção e o mortal pela imortalidade e,deste modo, pudéssemos receber a adoção de filhos?
O Filho de Deus, nosso Senhor, Verbo do Pai, tornou-se Filho do homem. Filho do Homem porque pertencia ao gênero humano, tendo nascido de Maria, que era filha de pais humanos e ela mesma uma criatura humana.
O próprio Senhor nos deu um sinal que se estende do mais profundo da terra ao mais alto dos céus. Um sinal que não foi pedido pelo homem,pois nem sequer ele poderia pensar que uma virgem, permanecendo virgem, pudesse conceber e dar à luz um filho. Nem mesmo supor que este filho, Deus-conosco, descesse ao mais baixo da terra, em busca da ovelha perdida – que ele próprio criara – e subisse às alturas para oferecer ao Pai aquele mesmo homem que viera encontrar, realizando, deste modo, em si próprio, as primícias de ressurreição do homem. De fato, assim como a cabeça ressuscitou dos mortos, assim todo o corpo (dos homens que participam de sua vida, passado o tempo do castigo da desobediência) ressuscitará, unido por suas junturas e articulações, firme no crescimento em Deus, possuindo cada membro sua posição adequada. São muitas as mansões na casa do Pai porque muitos são os membros do corpo.
Tendo falhado o homem, Deus foi magnânimo, pois previa a vitória que pelo Verbo lhe seria restituída. Porque a força se perfez na fraqueza, revelou-se então a benignidade de Deus e seu esplêndido poder.
Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 3,19,1.3-20,1:SCh34,332.336-338) (Séc.II)
Do conhecimento de Jesus Cristo dimana a compreensão de toda a Sagrada Escritura
A Sagrada Escritura não tem a sua origem na investigação humana, mas na revelação divina, que vem do Pai das luzes, de quem toda a paternidade toma o nome no Céu e na terra. Do Pai, por seu Filho Jesus Cristo, desce sobre nós o Espírito Santo; por meio do Espírito Santo, que reparte os seus dons e os distribui a cada um como Lhe agrada, se nos dá a fé; e pela fé Cristo habita nos nossos corações. Deste conhecimento de Jesus Cristo, como princípio original, depende a recta compreensão de toda a Sagrada Escritura. Por isso, não pode ter acesso ao conhecimento da Escritura quem não tiver antes infundida na alma a fé em Cristo, que é como a luz, a porta e o fundamento de toda a Escritura. Na verdade, enquanto vivemos ainda exilados longe do Senhor, a fé é o fundamento que nos sustém, a luz que nos guia, a porta que nos dá acesso a toda a iluminação sobrenatural; é pela fé que se mede o dom da sabedoria que recebemos de Deus, para que ninguém tenha de si mesmo uma opinião superior à que convém, mas sim uma opinião moderada, cada um segundo o grau da fé que Deus lhe atribuiu. A finalidade ou fruto da Sagrada Escritura não é um êxito qualquer: é a plenitude da felicidade eterna.
Porque as palavras da Escritura são palavras de vida eterna, pois foram escritas não só para acreditarmos, mas também para alcançarmos a vida eterna, aquela vida na qual veremos, amaremos e serão saciados todos os nossos desejos. Só então compreenderemos perfeitamente o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, e assim seremos enriquecidos com toda a plenitude de Deus. A esta plenitude há-de introduzir-nos a Escritura divina, segundo a afirmação do Apóstolo já citada. Esta é a finalidade, esta é a intenção que há-de guiar-nos ao estudar, ensinar e ouvir a Sagrada Escritura. Para chegar directamente a este resultado final, através do recto caminho da Escritura, devemos começar pelo princípio, isto é, voltar-nos para o Pai das luzes com fé sincera, dobrando os joelhos do nosso coração, para que Ele, por seu Filho, no Espírito Santo, nos dê o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e, com o conhecimento, nos dê o seu amor. Deste modo, conhecendo-O e amando-O, fundados solidamente na fé e enraizados na caridade, podemos compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade da Sagrada Escritura, e por este conhecimento podemos chegar ao conhecimento pleno e amor extático da Santíssima Trindade, para onde se voltam as aspirações dos santos e onde está a perfeição de toda a verdade e de toda a bondade.
Do «Brevilóquio» de São Boaventura, bispo (Prologus: Opera omnia 5, 201-202) (Sec.XIII)
domingo, 29 de janeiro de 2017
Cristo chamou-nos para seu reino glorioso
Inácio, o Teóforo, à Igreja de Deus Pai e de Jesus Cristo, o dileto, rica de todos os dons da misericórdia, repleta de fé e de caridade, sem que lhe falte qualquer graça, muito amada por Deus, portadora da santidade, à Igreja que está em Esmirna na Ásia, efusivas saudações no Espírito imaculado e no Verbo de Deus.
Rendo glória a Jesus Cristo, Deus, que vos deu tanta sabedoria; pois notei como sois perfeitos na fé inabalável, como que, de corpo e alma, presos por cravos à cruz do Senhor Jesus Cristo e firmes na caridade pelo sangue de Cristo, crendo com fé plena e segura que nosso Senhor é em verdade oriundo da estirpe de Davi segundo a carne, Filho de Deus pela vontade e poder de Deus. Crendo de igual modo que verdadeiramente nasceu da Virgem, foi batizado por João para que nele se cumprisse toda a justiça. Crendo que verdadeiramente, foi, sob Pôncio Pilatos e o tetrarca Herodes, crucificado na carne por nós – a cujo fruto nós pertencemos por sua bem-aventurada paixão – a fim de, por sua ressurreição, elevar pelos séculos a bandeira que reúne seus santos e seus fiéis, judeus ou gentios, no único corpo de sua Igreja.
Tudo padeceu por nós para alcançarmos a salvação; e padeceu de verdade, como também de verdade ressuscitou a si mesmo.
Eu também sei que, depois da ressurreição, vive em seu corpo e creio estar ele ainda agora com seu corpo. Ao se encontrar com Pedro e seus companheiros, disse-lhes: Pegai, apalpai-me e vede que não sou um espírito incorpóreo. E logo o tocaram e creram, unidos à sua carne e a seu espírito. Por esta razão, desprezaram também a morte e da morte saíram vitoriosos. Depois da ressurreição, comeu e bebeu com eles como qualquer ser corporal, embora, espiritualmente,unido ao Pai.
Exorto-vos, portanto, caríssimos, embora bem saiba que pensais do mesmo modo.
Da Carta aos Esmirnenses, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir.
(Inscriptio; nn. 1,1–4,1: Funk 1, 235-237) (Séc. I)
sábado, 28 de janeiro de 2017
A cruz, exemplo de todas as virtudes
Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos fazer.
Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males em que incorremos por causa dos nossos pecados.
Mas não é menor a utilidade que tem como exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar toda a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição, basta que despreze o que Cristo desprezou na cruz e deseje o que Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude está ausente da cruz.
Se queres um exemplo de caridade: Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Assim fez Cristo na cruz. E se Ele deu a vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por Ele.
Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente. Reconhece-se uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque sofrendo não ameaçava; e como ovelha levada ao matadouro, não abriu a boca. É grande portanto a paciência de Cristo na cruz: corramos com paciência para a prova que nos é proposta, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé, que em lugar da alegria que lhe era proposta suportou a cruz, desprezando-lhe a ignomínia.
Se queres um exemplo de humildade, olha para o crucifixo: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.
Se procuras um exemplo de obediência, segue Aquele que Se fez obediente ao Pai até à morte: assim como pela desobediência de um só, isto é, Adão, muitos foram constituídos pecadores, assim também pela obediência de um só muitos serão justificados.
Se queres um exemplo de desprezo pelas honras da terra, segue Aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual se encontram todos os tesouros de sabedoria e de ciência e que na cruz está despojado dos seus vestidos, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e dessedentado com fel e vinagre.
Não te preocupes com trajes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes; nem com as honras, porque troçaram de Mim e Me bateram; nem com as dignidades, porque teceram uma coroa de espinhos e puseram-Ma sobre a cabeça; nem com os prazeres, porque para a minha sede Me deram vinagre.
Dos Comentários de São Tomás de Aquino, presbítero (Collatio 6 super Credo in Deum) (Sec. XIII)
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
As maravilhas de Deus
Deus libertou o povo de Israel da escravidão do Egito, realizando muitos portentos e prodígios: abriu-lhes uma passagem a pé enxuto pelo Mar Vermelho; sustentou-os no deserto com um alimento vindo do céu, o maná e as codornizes; para acalmar a sua sede, fez brotar da rocha duríssima uma fonte de água viva; deu-lhes a vitória sobre todos os inimigos que declararam guerra contra eles; por algum tempo, fez voltar atrás a corrente impetuosa das águas do Jordão; dividiu e repartiu por eles, segundo o número das tribos e famílias, a terra prometida. Mas aqueles homens ingratos, esquecendo tanto amor e generosidade, abandonaram e repudiaram o culto de Deus verdadeiro e entregaram-se, uma e outra vez, ao abominável crime da idolatria.
Depois, também a nós, quando éramos ainda pagãos e nos deixávamos arrastar para os ídolos mudos sem nenhuma resistência, Deus nos arrancou da oliveira brava da gentilidade, a que pertencíamos por natureza, e nos enxertou na verdadeira oliveira do povo judaico, podando alguns dos seus ramos naturais, e nos fez participar na raiz e riqueza da sua graça. Finalmente, não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O à morte por todos nós, como vítima e sacrifício agradável a Deus, para nos resgatar de toda a iniquidade e preparar para si um povo perfeito.
Tudo isto, mais que argumentos, são sinais evidentes do imenso amor e bondade de Deus para conosco; e contudo, como homens mais ingratos ainda, ultrapassando todos os limites da ingratidão, não refletimos no seu amor, nem reconhecemos a grandeza dos seus benefícios, antes nos tornamos mais insolentes e desprezamos o autor e dispensador de tão grandes bens. Nem sequer a surpreendente misericórdia de que usa continuamente para com os pecadores nos move a ordenar a nossa vida e costumes de acordo com a sua santíssima vontade.
Todas estas maravilhas são verdadeiramente dignas de ser escritas para perpétua memória das gerações futuras, a fim de que todos os que vierem a usar o nome de cristãos reconheçam a infinita bondade de Deus para conosco e não cessem de cantar os louvores divinos.
Do Comentário de São João Fisher, bispo e mártir, sobre os salmos (Ps. 101: Opera omnia, ed. 1597, pp. 1588-1589) (Sec. XVI)
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
Combati o bom combate
Enclausurado no cárcere, Paulo sentia-se habitar no Céu. Recebia os açoites e as feridas com mais alegria do que aqueles que recebem as palmas do triunfo; e não estimava as dores menos do que os prêmios, porque considerava as próprias dores como os prêmios que desejava, e amava-as como uma graça. Considerai com atenção o sentido disto: o prêmio, para ele, era ser libertado da carne e estar com Cristo, ao passo que permanecer na carne significava o combate. Mas, por causa de Cristo, sobrepunha ao desejo do prêmio a ânsia de prosseguir o combate, porque considerava ser isto o mais necessário.
Estar afastado de Cristo representava para ele o combate e o sofrimento, mais ainda, o máximo combate e o maior sofrimento; estar com Cristo, pelo contrário, era o prêmio único; e no entanto, por amor de Cristo, Paulo prefere o combate ao prêmio.
Talvez diga algum de vós: «Mas ele dizia sempre que tudo lhe era suave por amor de Cristo». Isso também eu o afirmo, porque as coisas que são para nós causa de tristeza eram para ele enorme prazer. Porque recordarei então os perigos e tribulações que sofreu? Na verdade, o seu profundo desgosto fazia-o exclamar: Qual de vós está doente, sem que eu o esteja também? Qual de vós é escandalizado, sem que eu não me consuma?
Mas peço-vos que não vos limiteis a admirar este tão ilustre exemplo da virtude: imitai-o. Só assim poderemos ser participantes da sua glória.
E se algum de vós se admira por eu dizer que aquele que imitar os méritos de Paulo participará da sua recompensa, oiça o que ele próprio afirma: Combati o bom combate, terminei a minha carreira, permaneci na fé; de resto, está guardada para mim a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia; e não só a mim, mas a todos os que esperam a sua vinda. Vedes como ele nos chama a todos à mesma comunhão na glória?
Ora uma vez que a todos é oferecida a mesma coroa de glória, esforcemo-nos todos por ser dignos dos bens prometidos.
E não consideremos em Paulo apenas a grandeza e a excelência das virtudes, o ânimo sempre pronto e a decisão forte, pelos quais mereceu chegar a tão grande graça; mas pensemos também que a sua natureza era em tudo igual à nossa. E assim, também a nós, as coisas que são muito difíceis parecerão fáceis e leves; e, suportando-as valorosamente neste breve espaço de vida, obteremos aquela coroa incorruptível e imortal, por graça e misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Ele a glória e o poder agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.
Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo (Hom. 2 sobre os louvores de São Paulo: PG 50, 480-484) (Sec. IV)
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Por amor de Cristo, Paulo tudo suportou
O que é o homem, quão grande é a dignidade da nossa natureza e de quanta virtude é capaz a criatura humana, Paulo o mostrou mais do que qualquer outro. Cada dia ele subia mais alto e aparecia mais ardente, cada dia lutava com energia sempre nova contra os perigos que lhe surgiam pela frente, de acordo com o que ele próprio afirmava: Esqueço-me do que já passou e avanço para as coisas que estão à minha frente.
Sentindo a morte já iminente, incitava os outros a comungarem da sua alegria, dizendo: Alegrai-vos e congratulai-vos comigo; frente aos perigos, às injúrias e aos insultos, igualmente se alegra, e escreve aos Coríntios: Sinto complacência nas minhas enfermidades, nos ultrajes, nas perseguições; porque sendo estas, segundo afirmava, as armas da justiça, mostrava que disto lhe vinha um grande proveito.
No meio das insídias dos inimigos, conquistava contínuas vitórias, triunfando de todos os seus assaltos. E, em todo o lado, sofrendo pancadas, injúrias e maldições, como se fosse conduzido em cortejo triunfal, cumulado de troféus, nelas se gloriava e dava graças a Deus, dizendo: Sejam dadas graças a Deus, que sempre triunfa em nós.
Avançava ao encontro da humilhação e das ofensas que tinha de suportar por causa da pregação, com mais entusiasmo do que o que pomos nós em alcançar o prazer das honras; punha mais empenho na morte do que nós na vida; ansiava mais pela pobreza do que nós pelas riquezas; e desejava sempre mais o trabalho sem descanso do que nós o descanso depois do trabalho. uma única coisa o assustava e lhe metia medo: ofender a Deus; e uma única coisa desejava: agradar sempre a Deus.
Só se alegrava no amor de Cristo, que era para ele o maior de todos os bens; com isto considerava-se o mais feliz de todos os homens; sem isto para nada lhe servia a amizade dos senhores e dos poderosos. Preferia ser o último com este amor, isto é, ser do número dos réprobos, do que encontrar-se no meio dos homens famosos pela consideração e pela honra, mas privado do amor de Cristo.
Para ele, o maior e único tormento era separar-se deste amor; esta era a sua geena, o seu único castigo, este o infinito e intolerável suplício. Gozar do amor de Cristo era para ele a vida, o mundo, o anjo, o presente, o futuro, o reino, a promessa, enfim, todos os bens; e fora disto, em nada punha tristeza ou alegria. De tudo o que se pode ter neste mundo, nada lhe era agradável ou desagradável.
Desprezava todas as coisas que admiramos, como se despreza a erva apodrecida. Para ele, tanto os tiranos como as multidões enfurecidas eram como mosquitos.
Considerava como jogos de crianças os mil suplícios, os tormentos e a própria morte, contanto que pudesse sofrer alguma coisa por Cristo.
Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo (Hom. 2 sobre os louvores de S. Paulo: PG 50, 477-480) (Sec. IV)
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