Eu, Paulo, prisioneiro pelo nome de Cristo, quero falar-vos das tribulações que suporto cada dia, para que, inflamados no amor de Deus, comigo louveis o Senhor, porque é eterna a sua misericórdia.
Este cárcere é realmente a imagem do inferno eterno: além de suplícios de todo o gênero, tais como algemas, grilhões, cadeias de ferro, tenho de suportar o ódio, as agressões, calúnias, palavras indecorosas, repreensões, maldades, juramentos falsos e, além disso, as angústias e a tristeza. Mas Deus, que outrora libertou os três jovens da fornalha ardente, está sempre comigo e libertou-me destas tribulações, convertendo-as em suave doçura, porque é eterna a sua misericórdia.
Imerso nestes tormentos, que costumam aterrorizar os outros, pela graça de Deus sinto-me alegre e contente, porque não estou só, mas estou com Cristo.
O nosso divino Mestre é quem leva todo o peso da cruz, impondo-me apenas uma pequena parcela. Ele não é apenas espectador do meu combate, mas também combatente e vencedor em toda esta luta. Por isso é sobre a sua cabeça que se impõe a coroa da vitória, e nela participam todos os seus membros.
Como posso eu suportar este espetáculo, ao ver todos os dias os imperadores, mandarins e seus guardas blasfemar o vosso santo nome, Senhor, que estais sentado sobre os Querubins e os Serafins?Vede como a vossa cruz é calcada aos pés dos pagãos! Onde está a vossa glória? Ao ver tudo isto, sinto inflamar-se o meu coração no vosso amor e prefiro ser dilacerado e morrer em testemunho da vossa infinita bondade.
Mostrai, Senhor, o vosso poder, salvai-me e amparai-me, para que na minha fraqueza se manifeste a vossa força e seja glorificada diante dos gentios, não aconteça que eu vacile pelo caminho e os inimigos se orgulhem na sua soberba.
Ouvindo tudo isto, caríssimos irmãos, tende coragem e alegrai-vos, dai graças eternamente a Deus, de quem procedem todos os bens, bendizei comigo ao Senhor, porque é eterna a sua misericórdia.
Louvai o Senhor, todas as nações, aclamai-O, todos os povos, porque Deus escolheu o que é fraco para confundir o forte, escolheu o que é insignificante e desprezível para confundir o que se julga nobre. Pela minha boca e inteligência confundiu os mestres deste mundo, porque é eterna a sua misericórdia.
Escrevo todas estas coisas, para que estejam unidas a vossa e a minha fé. No meio desta tempestade, lanço a âncora que me permitirá subir até ao trono de Deus: a esperança viva que está no meu coração.
Caríssimos irmãos, correi de modo que alcanceis a coroa da vitória, revesti-vos com a couraça da fé, tomai as armas de Cristo e combatei à direita e à esquerda, como ensina São Paulo, meu patrono. É melhor para vós entrar na vida sem os olhos ou debilitados, do que, com todos os membros, serdes lançados fora.
Ajudai-me com as vossas orações, a fim de que possa combater segundo as regras, combater o bom combate, combater até ao fim, de modo que termine felizmente a minha carreira. Se já não nos virmos nesta vida, encontrar-nos-emos na felicidade da vida futura, quando, na presença do Cordeiro imaculado, num só coração e numa só alma, cantarmos eternamente a alegria da vitória. Amém.
Das Cartas de São Paulo Le-bao-Tinh aos alunos do Seminário de Ke-Vinh, escritas no ano 1843 (Launay, A.: Le clergé tonquinois et ses prêtres martyrs, MEP, Paris 1925, pp. 80-83)
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